No limiar intermitente entre o ar que entra e oxigena o corpo e o sopro de partir. Um intermitente interminável. O simples pulsar que para. O parar por um segundo. O estar e não estar. O ficar e ir. O gritar e falar baixinho. A criatura que parte sem dizer nada. O nada que se transforma, transmuta, revigora-se, transplanta, transcende, pula baixinho e canta.
Um passarinho que bebe água, aninha-se, voa e revoa. Umas palavras soltas que se organizam e imprimem num papel em branco o relato do fato. O fato que já aconteceu, acontece e vai acontecer ininterruptamente até o fim do pensamento. A criatura que sobrevive. A criação que se transforma e se cria. O criador que não domina mais o monstro que se fez. O passarinho que parou de voar.
Numa continuidade feroz, o pássaro vira monstro, criatura, objeto, fato, feiura e beleza. A monstruosidade de não estar, faz e fez dele um ser instável, atemporal. Um ser construído e visto por todos com cores, barulho e maciez. Um objeto palpável e complexo por simplesmente não estar mais ali, visto a olho nu. A nudez desses olhos, se veste com panos e peles, feito grosseiramente por mãos humanas de espécie semelhante. O semelhar da pele, iguala-se a um só. Um único Ser. Um só instante. O último instante da vida, menor que o minuto e o segundo. Um pouco antes da chegada da morte. Um pouco depois da última respiração. Um cantinho de instante preso num momento que não sai da cabeça, da alma, do espirito, da réstia de luz que fez e faz o milagre acontecer. E o passarinho continua a aninhar-se, voar e revoar.
A partitura de uma nota acompanha uma música sem ritmo. Uma nota menor que o instante do último conjunto de átomos que compõe o resto de ar saído dos pulmões. O aninhar, voar, revoar e todos os outros fatos vem numa velocidade nunca vista. Vão todos a uma única direção, o canto. O cantinho antes do fim e depois da chegada. Unem-se sem ritmo e numa nota só. A nota de maior valor. A nota que não tem preço, pois se tivesse, garanto que todos os seres se juntariam para arrecadar tal importância e comprar e se apropiar e dominar e controlar e modificar a ponto de não pontuar-se num final. Mas a nota não tem preço. A nota compõe a música. A música não tem ritmo e leva tudo a um único canto. O cantinho antes do fim e depois da chegada. Um canto onde toda a passarinhada canta, aninha-se, voa e revoa. Um canto onde o relógio da voltas e voltas trazendo tudo e todos a tona. O canto da partida.
O Clarear predomina e se estabelece. Preenche todo o espaço. O espaço vira tudo. O tudo vira caos e se organiza momento a momento, segundo a segundo, terceiro a terceiro, o quarto...O quarto que repousa, passa, amanhece e adormece. O quinto, o sexto e o sétimo se contemplam dando origem ao oitavo e o nono. A nona grita chamando seu velho para ir dormir. A nona sonha com o neto. O neto cria a nona e tudo se mistura formando um só. A origem. A raiz que já não se importa se é quadrada, quinta, sexta ou enésima, pois é a raiz de um e tudo se torna um só, num só instante, num único lugar, num tempo e espaço localizado no canto. Bem no cantinho. Antes do fim e depois da chegada. No canto está eu, cantando um canto de uma nota só. Um cantarolar ininterrupto, com um La-ra-la-lá duma artista chamada Lara, que nem lá, nem aqui, nunca, nem um outro, só eu ouviu cantar. Bem no cantinho do último canto de uma nota só, ouve-se um Lá. Um Lá gritante, pulsante, revigorante e visceral. Lá naquele canto, no final da nota, no termino do ínfimo suspiro, onde tudo termina.
No término da palavra gritada no canto e em si mesma, sem qualquer similaridade com o objeto que representa, surge um símbolo. De caráter icônico ou analógico o símbolo se resolve num ícone. Ícone subliminarmente escondido numa derivada segunda da função Y= Z²-2W²-Vα Vα. A combinação particular do primeiro membro é comparada à do segundo, traduzindo o resultado, por semelhança, a relação entre o objeto gritado. Nesse código ainda não piado por nenhuma Bia, surge um subespaço sígnico interdependente atraído por algum sorvedouro icônico. Num sei-lá-o-quê de algum pensamento relativista, calcula-se esse ícone em intra-semias (subcódigos compondo um código maior).
Num repertório de ossatura intersemiótica, surge um latejo combinatório que favorece a criação, a arte. A arte de estar e não estar, de fazer e não fazer, de ir e não ir, de gritar e falar baixinho, de ser e não ser, de parar tudo e sair correndo ou de simplesmente viver.
Mas qual é a latitude que ressoa o sinificado de tudo isso?
O pulsar de minha víveda alma que canta num último suspiro um canto de uma nota só re-atua em palavras-ícones significados que não vou cantar e nem contar, é segredo.
JC
SANTA MARIA- 29-03-11